Brasil: o que você tem a ver com a crise?

Diferente do que muitos imaginam, nós não estamos pagando preço algum pelo que nossos antepassados fizeram; só existimos porque tudo aconteceu exatamente como foi. 

Por Claudia Vassão e Carolina Vieira

A chave para o Brasil sair de sua crise como nação poder estar em olhar para os fatos obscuros de sua história, honrar aqueles que vieram antes e concordar com tudo como aconteceu.

Parece uma ideia muito simples diante de um cenário tão complexo? 

Ela foi levantada por Bert Hellinger, o pai da Constelação Familiar - quando esteve no Brasil em 2016 - e segue os princípios da visão sistêmica:

Há uma hierarquia marcada pela passagem do tempo; todos os povos e contextos que viveram e aconteceram no passado têm precedência sobre tudo o que é atual. 

Mas o que isso significa? 

De acordo com a visão sistêmica, devemos honrar e respeitar tudo o que aconteceu antes tal como foi. Ou seja, em primeiro lugar, temos que reconhecer. Respeitar alguém quer dizer que eu o reconheço, que eu o vejo tal como é ou tal como foi. E ao honrar nossos ancestrais - sejam eles indígenas, colonizadores, negros escravos e outros imigrantes - estabelecemos equilíbrio. 

Há também outra razão:

Na visão sistêmica, tudo aquilo que rejeitamos apodera-se de nós; e tudo aquilo que respeitamos deixa-nos livres.

Aquele que dá um lugar àquilo que antes queria eliminar da sua alma, cresce internamente.

RELEMBRANDO PARA ENTENDER

Antes de o Brasil ser descoberto pelos colonizadores, estas terras já eram povoadas. O tempo e a colonização europeia encarregaram-se de extinguir parte desses povos nativos. Hoje, a maioria deles vive marginalizada ou falsamente inserida à sociedade. Mesmo nessas condições, os povos nativos resistem ao tempo e seguem à espera do reconhecimento de sua ancestralidade - afinal, foram os primeiros habitantes deste lugar.

Somando-se aos nativos, vieram compor nossa história os colonizadores portugueses e também os escravos africanos trazidos por eles. Assim, hoje os colonizadores são vistos como algozes - estão na posição de genocidas e etnocidas, os que escravizavam índios e negros e tiravam proveito as riquezas das terras onde pisavam. Alvo até de ridicularização, os portugueses também são parte das nossas origens.

Da chegada dos portugueses até a formação do Brasil Imperial, muitas mulheres - índias ou negras - serviram forçadamente aos seus senhores. Posteriormente, o berço da miscigenação brasileira foi reforçado pela presença de imigrantes. Na política, o governo passou do império à república. E na república, fomos atingidos por uma sucessão de presidentes, crises, ditadura e disputas por poder

E é de toda essa história que nós somos filhos. 

Somos filhos dos índios, dos portugueses, dos africanos trazidos como escravos, dos imigrantes, das famílias que foram separadas, dos mortos nos navios, daqueles que perderam tudo e também daqueles que pegaram o que puderam.

Somos filhos, portanto somos pequenos.

É a hierarquia se manifestando. Viemos muito depois de todos esses acontecimentos e pelo preço que nossos antepassados pagaram

Mas atenção: diferente do que muitos costumam imaginar, nós não estamos pagando nenhum preço pelo que nossos antepassados fizeram

Nós somos o resultado de tudo o que povos do passado viveram e de todos os contextos que se sucederam nesse passado pelo preço que nossos antepassados pagaram. 

Nós somos o resultado do sonho dos nossos ancestrais. O resultado do sonho de uma vida melhor para seus descendentes. Eles pagaram um preço pelas escolhas deles, e nós estamos vivendo algo hoje pelo que eles tiveram a coragem de fazer buscando acertar e, às vezes, errando.

Mas assumir o papel de vítima é o que nós estamos fazemos: olhamos para o passado com críticas e rancor; muitas vezes excluindo ancestrais, muitas vezes os ridicularizando, contando “piadas de português"...

Vivem dentro de nós todas essas partes que vieram antes, todas as coisas que aconteceram no passado. Então, ao mesmo tempo, nos comportamos também como aqueles a quem consideramos algozes - por exemplo: reagimos instintivamente com racismo em várias situações cotidianas.

Continua vivo dentro de nós o racismo, continua vivo dentro de nós o repúdio ao portugueses.

Nossos movimentos de proteger os indígenas, em alguns casos, são falsos - lá dentro de si, quase todo mundo ainda vai encontrar a ressonância de que indígenas são ociosos. Tudo isso vive dentro de nós. 

Todos nossos ancestrais pagaram um preço muito alto para realizar suas buscas e realizar seus sonhos. Os índios pagaram um preço muito alto, os negros também, os outros imigrantes também viveram situações ruins. 

Então como é que nos colocamos assim como vítima ou como superiores?

Existe uma frase de solução na Constelação Familiar que diz : 

“Eu acolho tudo o que vem de vocês, pelo preço que lhes custou”.

Essa frase de solução é dita no sentido de olhar para o passado, reconhecer tudo o que aconteceu com os ancestrais e esclarecer: 

“Vocês vieram antes, obrigado! Eu concordo que tenha sido assim. A vida que nós temos hoje simplesmente é, pois as coisas são como são. Só existimos porque tudo aconteceu exatamente como foi.”. 

A filosofia de Bert Hellinger é concordar com tudo como é e reconhecer o que aconteceu no passado. 

NÓS, HOJE

Não estamos pagando preço algum.

Se nós temos governos corruptos hoje foi porque seguimos o sonho de ter um tipo de governo por muitos e muitos anos e colocamos essas pessoas lá. E tudo bem: nós não sabíamos que iria ser desse jeito; está tudo certo e tudo isso está dentro de nós; a corrupção está dentro de nós também

Hoje, nosso país se encontra em um cenário de caos com cidadãos insatisfeitos e descrentes lamentando a nossa história; gente procurando os culpados e as causas dos efeitos fatalistas, das injustiças e da corrupção; pessoas envolvidas em disputas ideológicas, acreditando que a responsabilidade sobre esse caos pertence aos antepassados colonizadores ou aos que já governaram. 

Hoje, vemos brasileiros recorrendo ao moralismo e às ideologias para tentar diagnosticar nossos problemas como nação. Então, voltamos ao que Bert Hellinger e a visão sistêmica nos ensinam:

Aqui não vale mais separar as vítimas dos algozes, pois são posições correspondentes; uma não existe sem a outra e ambas precisam ser incluídas para se equilibrarem. 

Devemos honrar e incluir, cientes de que todos fazem parte - com tudo o que vem com eles - desde a cultura até os conflitos; conscientes de que só existimos porque tudo aconteceu exatamente como foi.

Tudo faz parte, tudo exatamente como foi, pois nada que possamos fazer hoje mudará nosso passado. Então chegou a hora de nos reconciliarmos com nossa história, com nossas raízes. Isso quer dizer adotar a postura de concordar com nossa origem, com quem somos e de onde viemos. Afinal, estamos aqui vivendo o sonho de nossos antepassados por uma terra prometida pelo preço que lhes custou. 

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